01/07/2009

Os vinte e três estudantes.

Acordei um dia de manhã e notei que era meu primeiro dia em sala de aula, para estudantes de minha área profissional. A primeira sensação que eu tive: será que eu consigo? Serão eles exigentes no que eu tenho para oferecer como ensino acadêmico? Serei eu capaz de atender as expectativas? Eles atenderão as minhas? Serão eles desinteressados? Ou me animarão com seus interesses?
Primeiras noites em sala, primeiros contatos. Alguns alegres, outros cansados, dias duros de trabalhos contábeis, fretamento que atrasa, contas para pagar que arrasam a alma de qualquer futuro contador, a má sorte do desemprego paira por vezes, dá um desânimo que só. Olhando ao fundo destes olhares, percebo isto, e muito mais, um descontentamento, uma fuga mental temporária, sorrisos, cabeça nas obrigações do dia seguinte. O tio da sala já se expressa, já tem seus fãs.
O tempo vai passando, enxergo um pouco mais dos estudantes, sou menos mistério para alguns, euforia para outros e decididamente poucos não me toleram tanto (não os culpo!). Uma aluna presta muita atenção, quando comento de motivação, erros/acertos, sobre a decisão de mudar de emprego, eu noto que o discurso comum aos meus olhos, se transforma em um roteiro, no sentido de incomodar, de questionar. É para isto que vim, vim para tumultuar o ambiente acadêmico no sentido mental do ser e de estar. Eu entro em sala de aula com um mantra: “não formo Maria mole” e a “presença não é virtual”, este último, aborrece quem pouco me sabe sobre mim, resultado: falatórios, revoltas, visitas à coordenação, mas na minha frente, silêncio puro, daqueles quase morteiros...
Como nem todos são iguais por dentro, um ou outro mais inflamado, mais justiceiro `a moda antiga, me antecede o “perigo”. Fico grata, mas fico aborrecida, coisas da vida, que muitas vezes ainda mexem com o id, e ego, sem distinção. Mas eu sou persistente. A fé é algo importante demais para mim, é meu fôlego. Minha sede saciada. Mas, não coloco Deus para fazer tudo o que eu preciso, pois ele já tem trabalho demais no Cosmos, gosto mesmo é de manter a fé nas pessoas. E coloquei muita fé nestas vinte e poucas pessoas. E como todo reinado, tem seus demônios temporários (nossas neuras, nossos medos e ansiedades), todo reinado tem também, seu menino fanfarrão, de olhar meio espanhol, meio infantil, de quem leva a vida na boa, mas de quem se pode contar, se precisar, mesmo que esteja “pavio curto”, no fundo, é só sorrir firme para ele desatar. Acredito que este homem em formato de “bebezão”, mudou muito mesmo, as pessoas ao redor, e mesmo com as reclamações de praxe, soube manter a turma focada no principal. Passa-se mais um tempo, o qual não consigo medir, nem contar, nem querer que volte atrás por não mais me pertencer. E consigo identificar um pequeno grande homem, com o dom da palavra, e da defesa, que provavelmente está no curso errado, pois advoga muito bem pela sua “sala”. Aproveito e confiro uma tagarela de plantão (risos). Nota: tagarelas de plantão são geralmente mulheres feitas, bonitas, decididas que já não tem muito tempo a perder com bobagens e por isto, estão a todo vapor que nem locomotivas desenfreadas, pois anseiam avidamente por informação tanto quanto as “prestam” (daí as razões para “tagarelar”), geralmente, tais mulheres são possuidoras de perfil esguio e “dedinhos” maravilhosos aos olhos masculinos e logicamente muita beleza.
E começo a perceber outros cantos, o galã colecionador de bonés de muito bom gosto, a sardenta tímida já profissional da área, a sem cera, a celebridade que quer tirar só boas notas, as moças que riem todo o tempo e uma, de olhar profundo, que não fala por mero acaso “físico” impertinente, pois seus olhos dizem muito, seu coração, mais ainda. Agora quem se cala sou eu, o que eu vim fazer aqui que vai ajudar todos estes? Quem sou eu mesmo? Sou a professora, de certo modo responsável por aquilo que vão ter por dentro, acerca de determinadas disciplinas, tomara, pois não costumo me arrepender de algo que eu tenha feito, e o pouco que fiz, foi assumir um compromisso de lecionar para futuros contadores. Mais uma semana de estudos de perfis e surpresas agradáveis.
Nova semana, eis que surge o essencial (invisível aos olhos). Um firme “boa noite”, um olhar contido, lúgubre, ébano, mas reluzente. Jovial caráter, passos dificultados por questões de bandagens. Alma peculiar que se destaca. Silêncio. Risadas, os estudantes parecem ter reatado com brinquedos de infância, um certo “circo” toma conta do grupo, o tumultuador que adora ser centro das atenções se irrita sadiamente, eu não consigo conter o bom humor causado pela entrada perpicaz, porém, efusiva, deste moço e portanto, também sou obrigada a sorrir (embora a vontade tenha sido de rir igual a eles) e o encarar com o mesmo olhar firme que me disparou.
As sextas feiras não serão mais as mesmas, depois de um bate-papo de “motivação”, invento um concurso, belos textos se apresentam, e a tagarela de plantão praticamente me convence a escrever igual a minha proposta, firmado o contrato, só me resta cumprir, pois estes auditores são terríveis cobradores de mim.
A aula acaba tarde, o coordenador se surpreende ao ver alunos contabilistas sorrindo e saindo mais tarde na sexta feira à noite, quase 23 hs? Nossa, nem eu acredito, mas foi com estes seres únicos que aconteceu. Volto para casa, não consigo dormir, tenho que ler curiosamente, os escritos dos estudantes, eles não sabem ainda, mas já me emocionam muito com suas convicções, comentários, motivações e silêncios de olhares que expressam muito. Descobri um escritor humorista, muito na dele, e descobri uma afinidade perfeita com um ideal meu de juventude, inusitado, porém real. Intrigante fato. Guardo até hoje os escritos que mais me chamaram a atenção. Novos tempos, eis que um dia ao escrever na lousa, e por ser eu excelente ouvinte disfarçada, noto comentários surreais, acerca de mulheres, e similares, e consigo rir por dentro, enquanto escrevo, mal sabem eles o quanto meu ouvido é apurado (agora sabem). “Detestaria eu desmascarar certas cumplicidades auditivas, mas que um bom livro daria: “ah” se minha lousa falasse”. Mulheres, não sabem às vezes do que homens juntos são capazes, eu sou mulher, mas privilegiada por ser professora, e diante de professoras, os moços não percebem, a diferença, e tudo falam, e tudo se registra...risos, porque professor de uma hora para outra vira anjo e dizem não ter os anjos, distinção feminino e masculino. É.
Aliás, estes estudantes são artistas inconscientes, um dia, ao trabalhar em sala sobre um exercício de criação de um produto, até conseguiram um “jingle” que poderia virar um sucesso de audiência. Quem sabe? Um ode à mente criativa que comporta inclusive “zenit polar” para ódio de alguns...risos. E o tempo passa, já se vai um novo ciclo, já não discutem mais para fazer trabalhos em grupo, a aluna bicuda agora é só sorrisos, as amizades estão mais firmes, pois o ultimo ciclo se apresenta diante deles e o trabalho de conclusão de curso vem ai gente!! Esta é a melhor parte de ser professor, poder ajudar mais de perto, tentar por vezes desenhar um caminho, seguir um roteiro, oferecer apoio e ver seus estudantes realizando seus sonhos escondidos. Realizam sonhos pessoas atiradas, fora de zona de conforto, fora do comum, sedentas de desafios, exuberantes intelectos que não se fazem de rogados, emagrecem sete quilos porém, o intelecto continua intacto, racional, focado, o que ao meu olhar, é só orgulho, orgulho e orgulho. Quando afirmo três vezes sobre um fato, é porque é tão fundo quanto o oceano, posso mergulhar em uma assertiva que escrevo três vezes, tanto quanto, tatuar, seus nomes dos quais sempre vou me orgulhar enquanto estiver no planeta azul. É como pisar fundo na grama para marcar o passo.
É assim, eu os tenho como pessoas que quero proteger, já me fazem despencar de casa para um dia em que nem trabalho no campus, já me fazem ansiar por datas de apresentações, já me fazem emocionar e abraçar com força um trio inusitado, mas conciso. Também com uma loira bravinha daquelas não há moços que resistam. E dois moços contra uma cinderela não dá...risos.
Descobri finalmente porque ingressei no mundo acadêmico,para presenciar fatos, sentir emoções de pessoas estranhas, que se tornam íntimas, de certo modo, ligadas para todo o sempre, elas querendo ou não. Estou eu, com a mesma ansiedade, no dia da apresentação, certa de que tudo correrá bem, porém, querendo mesmo o resultado: tudo correrá bem mesmo? Eles não ficarão nervosos? Eles sabem, portanto nada devem temer. E desejo subitamente, estar ao lado de cada um ao mesmo tempo para mostrar o quanto eles são importantes. E o quanto me marcaram. Forte. Um dia uma marca toma conta de você, uma marca forte, funda, com 23 partes de sonhos, lutas, emoções, e razões para viver. O melhor da turma motiva? Motiva o melhor da disciplina, motivam todos os ouvintes e isto me anima.
Ouvi diversos relatos e chorei sozinha em casa, porque um certo alguém chorou por ter chegado lá e isto emocionou. Chorei de orgulho de mulheres usando rosa, que estavam nervosas, mas que fizeram tanto por merecer e quem ganhou flores e cartão fui eu? Tem algo muito injusto ai...risos. Chorei, depois e só depois para não fazer feio, por causa de um trio que não me largou, tanto que sai abraçada na foto porque ficamos os quatro colados tamanha emoção. Chorei, de orgulho, do pequeno grande homem ,moço jovem, pai responsável, rosto de menino, muralha convicta, homem adulto que fez por merecer. E chorei, porque, não os terei mais três ou duas noites por semana para colorir meu humor, para passar um pouco de informações e aprender algumas também. Uma vez, eu disse ao mais velho da turma que, a sinergia entre eles era imensa, mesmo com as diferenças, mesmo com os desafetos.É tão verdade isto, que choro agora ao escrever e lembrar-se de todos eles.
Eles viveram uma vida de estudantes, de trabalhadores, de questionadores, dias e noites difíceis de passar, problemas com irmãos, pais, tios, filhos enfim. Todos se ausentaram por vezes por um ou outro detalhe. Lembro da noite que um foi salvar por assim dizer, um irmão mais esquentado, mesmo sendo ele o mais novo da turma, lembro de outra onde um incêndio mexeu muito com um amigo, e ele ficou realmente transtornado. Lembro de uma aluna, muito querida, que perdeu seu pai e como doeu isto em mim. Sou espírita, mas agora, que me conhecem mais, posso dizer, doeu isto em mim, porém o mandamento diz para nos apegarmos ao espírito não a matéria. Contraditório, uma vez que são 4 horas da manhã e escrevo por puro apego que tenho aos senhores...tenho muito que estudar ainda e aprender. Chorei ao ler uma redação de motivação, onde existia um compromisso de almoçar com avós idosos. Chorei ao ler palavras gritando o tanto expressivo que a mudez física impertinente silenciou na aluna especial.
Olha, meus queridos, meus amigos, meus afilhados, meus amados contadores, meus auditores que fizeram por merecer, muralhas intelectuais não tão distantes agora, prestem muita atenção:
Minha vida mudou, um dos fatores, por dentro, se deve a vocês. Muitos fatos aconteceram. E vocês acompanharam a maioria deles. Eu tive momentos felizes ou infelizes por vezes, eu mudei de cargo, de amizades, de pessoas, de relacionamento, de endereço, e agora, hoje, são novas mudanças: profissionais e pessoais. Fortes. Intensas, convictas.Reais.

Mas tem algo que eu não mudei, o meu apreço por vocês.
Dentro do apreço que me cabe, eu exaustivamente escrevo o quanto vocês se tornaram importantes.
Toda a prosperidade do mundo para vocês, todo o amor SINCERO sem máscaras ao redor. Todos merecem pessoas com verdade no coração para seus parceiros no amor. Todo o equilíbrio mental e toda a coragem para abarcar novos desafios de trabalho. Muito dinheiro no bolso mesmo e muitas oportunidades de fazer coisas que tirem vocês da zona de conforto. Não tenho mais o que escrever, é muita emoção em uma noite só. Tem imagens que marcam. Enfim. Sou muito observadora, presenciei cada minuto de vocês ontem. Não há mais o que dizer, só emoções que ficam, que marcam para sempre, acreditem.

Um comentário:

  1. Desejo que você ensine e aprenda muito com essas aulas.

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